Contabilizando qualidade desde 1981

A nova realidade tributária do agro: Desafios do IBS e do Imposto Seletivo
A competitividade do agro mudou. Este artigo analisa o fim dos benefícios fiscais e os novos regimes da reforma, oferecendo um guia estratégico para a tomada de decisão no setor
Pilar da economia brasileira e potência no cenário global, o agronegócio sempre operou sob regras tributárias com particularidades que buscavam refletir a complexidade de suas cadeias produtivas. Com a chegada da reforma tributária (EC 132/23), o setor se depara com uma nova realidade fiscal, um ecossistema redesenhado que, ao mesmo tempo em que acena com simplificações, impõe uma reavaliação completa de custos e estratégias, seja pelas novas regras, seja pela extinção de benefícios fiscais historicamente consolidados.
A discussão para o setor vai muito além da simples unificação de impostos. Ela se desdobra em três pilares centrais que definirão a competitividade e a rentabilidade do campo nas próximas décadas: a navegação no novo regime especial do IBS/CBS, a perda de incentivos cruciais do sistema antigo, e a ameaça do novo Imposto Seletivo. Este artigo analisa esses desafios e os caminhos do planejamento tributário para o agro neste ponto de inflexão.
O regime especial do IBS/CBS para o agronegócio
Reconhecendo as especificidades do setor, onde transações frequentemente ocorrem entre produtores rurais pessoa física e grandes indústrias, a reforma criou um regime especial para o agronegócio. O objetivo é simplificar a apuração do imposto e resolver um problema crônico: a dificuldade do produtor rural em gerar e gerenciar créditos tributários. A principal ferramenta para isso é o crédito presumido.
O crédito presumido: A moeda de troca
Em termos simples, o crédito presumido funciona como uma moeda de troca. Quando uma indústria ou cooperativa adquire produtos de um produtor rural optante pelo regime especial, a legislação permite que este adquirente tome um crédito "fictício" de IBS/CBS, calculado como um percentual sobre o valor da compra. Isso desonera o produtor da complexa burocracia de apurar débitos e créditos, garantindo, ao mesmo tempo, a não cumulatividade para o elo seguinte da cadeia.
Apesar da vantagem da simplicidade, a questão estratégica reside no percentual desse crédito. Se for muito baixo, o adquirente terá menos imposto a abater, o que pode pressionar para baixo o preço pago ao produtor. A definição dessa alíquota de crédito presumido é, portanto, um dos pontos mais sensíveis da nova legislação.
A escolha estratégica: Optar ou não pelo regime especial?
A adesão ao regime especial é opcional. Um produtor ou uma agroindústria pode escolher ser tributado pelo regime padrão do IBS/CBS. Essa decisão dependerá fundamentalmente de sua posição na cadeia de valor e de sua estrutura de custos. Para um produtor rural que vende sua produção para cooperativas ou grandes empresas, a simplicidade do regime especial é quase sempre o caminho mais vantajoso. Já para uma agroindústria verticalizada, que compra muitos insumos geradores de crédito e possui uma estrutura contábil robusta, a opção pelo regime padrão pode ser mais benéfica para maximizar o aproveitamento de créditos reais.
O fim de uma era: A extinção dos benefícios fiscais históricos
Talvez o impacto mais imediato e profundo da reforma para o agronegócio não esteja no que ela cria, mas no que ela revoga. A competitividade de muitas operações do setor foi construída sobre décadas de incentivos fiscais específicos para insumos e produtos agrícolas, e a regra geral da reforma é o fim dos benefícios setoriais.
O adeus aos incentivos de PIS/Cofins e ICMS
Atualmente, uma vasta gama de insumos essenciais, como fertilizantes, defensivos, sementes, mudas e rações, goza de alíquota zero ou suspensão de PIS/Cofins. Na esfera estadual, o Convênio ICMS 100/97, um marco que há décadas reduz a carga tributária na comercialização de insumos, é um dos pilares do setor. Com a reforma, toda essa estrutura está com os dias contados. Esses produtos passarão a ser tributados pela alíquota padrão do IBS/CBS, e o benefício será transferido para o final da cadeia, através do sistema de crédito. O resultado é uma mudança drástica no fluxo de caixa do produtor e na mecânica de formação de preços.
Um cronograma para o fim: A transição programada
A extinção desses benefícios seguirá um cronograma preciso. Os incentivos de PIS/Cofins serão extintos de forma mais rápida, deixando de vigorar em 1º/1/27, quando a nova CBS for plenamente implementada.
Já para os complexos benefícios de ICMS, a reforma estabeleceu uma "escada" de redução gradual entre 2029 e 2032. A eficácia desses incentivos será reduzida progressivamente: manterão 90% de seu valor em 2029, 80% em 2030, e assim por diante, até sua extinção total em 31/12/32.
Imposto Seletivo: A ameaça sombria sobre a competitividade
Se o regime especial do IBS/CBS é o desafio operacional, o IS - Imposto Seletivo é o grande desafio político e econômico. Concebido como um "imposto do pecado" para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, sua aplicação potencial gera enorme apreensão no campo.
A controvérsia dos defensivos agrícolas
O epicentro do debate é a possível inclusão dos defensivos agrícolas na lista de produtos sujeitos ao Imposto Seletivo. De um lado, grupos ambientalistas defendem a tributação como forma de desincentivar o uso de agrotóxicos. De outro, o setor produtivo argumenta, com razão, que esses produtos são insumos essenciais para garantir a produtividade e a segurança alimentar, e que sua oneração extra resultaria em um efeito cascata, aumentando o custo de produção e o preço dos alimentos.
A definição da lista de produtos sujeitos ao IS está em disputa no Congresso Nacional, o que torna a articulação política do setor uma tarefa vital neste momento.
O planejamento tributário no novo cenário
A nova realidade fiscal exige do empresário do agronegócio uma postura proativa. O planejamento passa a envolver uma análise integrada dos três desafios apresentados:
Revisão da estrutura de custos: Com o fim dos benefícios fiscais para insumos, é preciso recalcular o custo de produção, considerando a nova carga de IBS/CBS e seu impacto no fluxo de caixa.
Análise estratégica de regime: Simular cenários para decidir entre o regime especial (com crédito presumido) ou o regime padrão, analisando o impacto na relação com fornecedores e clientes.
Análise de risco (Imposto Seletivo): Identificar a dependência da operação em relação a insumos que estão na mira do IS e monitorar de perto as discussões legislativas.
Revisão contratual: Adaptar contratos de compra e venda, parceria e arrendamento para refletir as novas obrigações e a sistemática de crédito do IBS/CBS.
Conclusão
O agronegócio brasileiro enfrenta um momento de tripla complexidade: precisa decifrar as engrenagens do novo IBS/CBS, se preparar para a perda de benefícios fiscais históricos que sempre sustentaram sua estrutura de custos e, simultaneamente, gerenciar a ameaça econômica do Imposto Seletivo. A era do planejamento tributário reativo chegou ao fim. A sobrevivência e a prosperidade no novo cenário dependerão da capacidade de simular cenários, recalcular custos e se adaptar rapidamente. A assessoria jurídica e contábil especializada deixa de ser um suporte para se tornar uma ferramenta essencial de navegação neste novo e desafiador campo.